quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Um clássico da vida real.

Centro da cidade de São Paulo. Era uma manhã de sexta-feira. Parecia muito comum para todas as milhares de vidas que se cruzavam e cruzavam as ruas com pressa. O vento frio ardia no rosto, o som das pisadas bruscas dos homens no chão, do salto triste e rítmico das mulheres, as buzinas e o barulho dos motores já não eram sentidos por aqueles ouvidos acostumados à mesmice. Tudo isso realmente parecia muito comum. As roupas eram em tons de cinza, o mesmo tom daquele asfalto, que com os anos foi dominando as ruas e parecia cada vez mais atingir as pessoas. Até os pássaros que brigavam famintos por uma migalha de pão sobre a calçada não eram mais os mesmos, eram pombas sujas com aspecto doentio.

Para Romeu sexta-feira era um dia qualquer. O rapaz não saia mais cedo do trabalho no sábado e nem descansava no domingo. Seus passos, porém, não eram bruscos como os das pessoas que esbarravam em seu ombro enquanto procurava uma chave dentro da maleta. Ele era um jovem de 28 anos, que cuidava de um sebo no centro da cidade, deixado por seu pai antes de falecer. Romeu sempre foi apaixonado pela melodia das palavras. Poeta envergonhado, escrevia sem parar de baixo do balcão quando a loja estava vazia. Se não fosse pela solidão e pelo cansaço que administrava nos últimos quatro anos, podia-se dizer que era completamente feliz. Ele conseguia enxergar cor em tudo, por mais cinza que estivesse. Isso que lhe dava forças para encontrar companhia nas memórias daquele lugar e disposição na vitalidade das palavras que rabiscava.

Ele abriu a loja, sentou-se na cadeira de couro marrom - que deveria estar ali a mais de cinquenta anos - e olhando fixamente para o outro lado da rua, viajava em sua mente procurando um tema para preencher a folha levemente amassada do caderno. O rapaz piscou os olhos por um segundo e começou a esfregá-los rapidamente após uma visão magnifica. Passava pelo outro lado da rua algo cujo brilho não vinha de sua imaginação. Cabelos loiros que conseguiam refletir o Sol, mesmo que oculto. A roupa daquela moça era branca. Seus olhos pediam pela paz no coração das pessoas zangadas que circulavam por lá. Com um sorriso tímido dava bom-dia aos cachorros da rua, os únicos que eram completamente felizes apesar do frio daquela manhã. Ela esperava com paciência o sinal se abrir para poder atravessar, enquanto Romeu não aguentava nem um segundo sem manter os olhos nela. Muitas pessoas andavam depressa, atravessavam de um lado para o outro. O rapaz saiu do balcão e foi correndo em direção à porta da loja, procurando aquela bela moça que desapareceu na confusão.

Durante a manhã e a tarde inteira Romeu não conseguia sair da primeira linha daquela folha. Só havia escrito "De forma veloz passou e um turbilhão aqui fiquei, belos fios loiros que jamais esquecerei". O relógio estava preste a apontar seis da tarde, quando o tempo pareceu parar. A caneta caiu no chão, os olhos não piscavam para não correr o risco de ser ilusão.

- Boa tarde. Você tem "Conto de Inverno" de Shakespeare? - perguntava aquela bela moça que não havia saído de sua cabeça, com um sorriso paciente e esperançoso no rosto.

Romeu não conseguia acreditar que isso era real e não um sonho que teve enquanto cochilava no balcão. Como seria possível que pela primeira vez em sua vida alguém realmente fez sua respiração parar e seus batimentos aumentarem, justamente naquele fim de tarde - que quase o fez perder toda a esperança - e ainda vai a procura de seu livro preferido.

- Olá. Meu nome é Romeu. - foi a única coisa que conseguiu deixar escapar de seus lábios.

- Prazer, Julie. - ela respondeu enquanto reparava nos olhos esverdeados contornados por longos cílios negros do rapaz.

Ele levantou, de forma lenta colocou a mão dela sobre a dele e a beijou. Isso não era comum nos tempos atuais, nem naquele lugar onde todos se tratavam com hostilidade. Os dois permaneceram em silêncio, se olhando fixamente. Julie estava sendo tomada pelo encanto, pelo romantismo.

- Te vi passar por aqui essa manhã. Mas você desapareceu rapidamente. - Romeu confessou, sem medir as palavras.

- Eu trabalho a duas quadras daqui. Por acaso nos conhecemos de algum lugar? - ela questionou um tanto confusa.

- Não. Me desculpe. Eu realmente devo ter ficado bobo com a sua beleza. Talvez tenha sido por esse seu perfume doce de lavanda, ou até mesmo com o seu pedido. Shakespeare é meu escritou preferido. - ele disse fazendo com que a timidez do sorriso de Julie fosse embora.

- Acho que foi a coisa mais doce que ouvi nos ultimos tempos. Eu agradeço. - não tinha como disfarçar o quanto havia ficado feliz, seu rosto ficou instantaneamente corado.

O rapaz levanto e em questão de segundos trouxe o livro para ela. Entregando-o em suas mãos frias afirmou:

- É presente.

Sem dar sinal uma forte chuva começou a cair, molhando o interior da loja. As pessoas corriam buscando um abrigo e rapidamente a rua estava vazia. Romeu foi rapidamente para a porta e Julie o ajudou a descer o portão de ferro.

- Nossa, que chuva é essa? - perguntou a moça, com o casaco molhado.

- Já ouviu que há males que vem para o bem? - os dois começaram a rir - Venha, vou te dar uma toalha para se secar.

Romeu apontou a direção de uma escada. Lá em cima existia uma pequena casa, muito confortável. Um tapete macio no chão, clássicos de vinil na estante, pilhas de livros que havia lido dezenas de vezes. Ele ficava por lá nos dias de maior inspiração. Escrevia sob a luz de um bonito abajur até a trocar pela luz da manhã.

Julie se secava na sala, enquanto Romeu ligava a cafeteira. Ele secou rapidamente seu corpo e vestiu um agasalho. Pegou o mais bonito e limpo do armário e levou para ela. Os dois sorriam com os olhos e esperavam que o outro falasse algo. A cafeteira salvou ambos.

- Fiz café para esquentar um pouco. - dissse o jovem, servindo duas canecas brancas com um escrito na borda "J. M." .

Eles sentaram no sofá e Romeu ligou um antigo aparelho de som, a canção "Let it be" dos Beatles tocava baixinho. Julie olhou fixamente para aquelas letras gravadas na caneca.

- João e Maria. - disse ele.

O silêncio dos dois tomava conta do lugar denovo. Ela olhava em seus olhos fixamente com compaixão, enquanto ouviam os versos "And when the night is cloudy, there is still a light that shines on me, shine on until tomorrow, let it be. I wake up the sound of music Mother Mary comes to me, there will be no sorrow, let it be".

- Meus pais. Dela tenho vagas lembranças. As músicas que cantava para eu dormir, que escuto até hoje nos meus sonhos. Dele, tudo que tenho e sou. - confessava passando a ponta dos dedos naquelas letras, como se eles pudessem sentir se toque. Os longos cílios mantinham firmes algumas lágrimas.

- Eles estão olhando você. Não te querem triste. - Julie segurou sua mão, lentamente se aproximou de seu corpo, encostando seus lábios no rosto que servia de trilho para as gotas que caiam. Ela prendeu o longo cabelo e virou sua nuca para o rapaz, mostrando duas estrelas - eles nunca me querem triste também. Por isso faço o que querem.

O café já estava frio, a música acompanhava as emoções e os desejos que rodeavam os dois. A chuva seguia forte, mas já não era notada. Os minutos de conversa se transformavam em horas. Cada segundo a mais que o ponteiro marcava, mostrava quanto tempo parecia que estavam ali jutos, que se conheciam, devidiam segredos, trocavam olhares, risadas, abraços. Isso se estendeu durante toda a madrugada. Não havia mais nada para dizer. Já sabiam da infância, dos medos, dos sonhos, das paixões. O porque de cada cicatriz, o máximo de estrelas que cada um já conseguiu contar numa noite, os livros que leram, os filmes que choraram, as comédias que deram risada. Julie deitou a cabeça no peito do rapaz e questionou:

- Não consigo entender o que está acontecendo. Queria explicar o que estou sentindo nesse momento.

Ele não hesitou. Passou o dedo nos lábios dela e os contornou com os seus. Essa era a explicação. Era a dúvida e a resposta; sobre tudo que já haviam passado na vida, sobre o que acontecia naquela sexta-feira e sobre como já estavam gravadas na história - não só no clássico de Shakespeare - as suas iniciais.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Uma chama ou um sopro.

O amor é o sentimento que vem atrás do fogo, quando você deseja. É a persistência que vem atrás da força, quando você luta. É a crença que vem atrás de um sonho, quando você busca. É a paz que vem atrás do ato, quando você ajuda. É uma nuvem composta por pequenas gotas. Gotas que quando não estão nas nuvens, estão em algum oceano, à espera do Sol para aquecê-las e transformá-las novamente em nuvem. Gotas, que quando estão na nuvem, buscam força entre cada uma delas, para voar nos céus em direção à algum oceano mundo afora.

O amor, quando quer, é o vento, ou o fogo. Um vento que acalma, que sopra suave em nossos ouvidos. Um vento que nos abençoa, nos deixa em paz. Contínuo e leve, rítmico e aveludado. Também é um vento forte, que nos desorienta, joga nossas bússolas ao mar, e espanta as estrelas que poderiam nos orientar. Um vento que arde no rosto, que queima de frio, bagunça nossos cabelos, nossas roupas, nossa mente. Um vento do qual não queremos nos proteger. Sobre o qual até podemos ser conscientes do perigo, mas continuamos expostos até que ele nos atire no mar - até que seu ritmo seja forte demais para acompanharmos com nossa respiração.

O amor é o fogo que nos conforta e nos abriga. Como uma lareira em uma casa de tijolos, colocada em frente a um tapete macio. Fogo que mantém alta a temperatura dos nossos corpos - e sempre que tiramos uma peça da roupa, nos cede mais calor, permitindo que sempre estejamos quentes e protegidos. É o fogo que vem da boca de um palhaço em um sinal de trânsito. Você está tão distraído, e ele se aproxima tão rápido em meio às chamas do cotidiano, que te surpreende. É um fogo de explosão. Em minutos, tudo se incendeia, essas chamas rapidamente se espalham, causando danos imensuráveis. Mas quando o dia seguinte amanhece, talvez você perceba que tudo aquilo precisava mesmo de uma reforma, e que aquele fogo todo apenas te mostrou o quanto isso era necessário.

O que é o mar para um surfista?

É o silêncio da mente, misturado com o quebrar das ondas. O calor do Sol contornando o corpo. A luz batendo na água e fazendo refletir o brilho dos olhos. Aquela paz, o barulho e o toque do vento, os movimentos; proteção constante para os filhos de Iemanjá.

O mar para os surfistas é o mundo para o mochileiro, uma melodia para o pianista, o Morumbi para Rogério Ceni, uma página em branco para um escritor. É a realidade para um rapper, uma enterrada para um basqueteiro, um milésimo para um nadador, segundos para aqueles que vivem intensamente. É o todo. Um estilo de vida, a razão de ser, uma fonte de inspiração, a base de tudo.

O todo pode ser um alguém, um lugar, um estilo, ou simplismente o que te trouxer paz. O mar para eles é o inteiro. Sua mãe como a natureza, seus irmãos como os animais, sua cama como a prancha, sua música como as ondas. É a paz estabelecida, uma religião de sabedorias, um ritual do cotidiano. É a razão que faz com que na manhã seguinte tudo aconteça novamente, até que seu rosto esteja dourado, e repleto de linhas que contém um pouco dessas manhãs.

Guerreiros de ouro.

08/08/2008

Assistir a Olimpíada é torcer por um mundo melhor, com mais esporte e menos violência, mais vida e menos miséria. É poder estar no meio de uma grande corrente de boas energias, que liga o mundo todo. É poder nos sentirmos capazes de alcançar nossos sonhos - sejam eles esportivos ou não - a cada lágrima tímida ou desesperada, cada sorriso no alto do pódio ou de fora dele. Poder ver com nossos próprios olhos as duras batalhas que os brasileiros de ouro lutaram para chegar lá e brigar por um lugar no alto - que vencendo ou não eles já conquistaram.

Nós deixamos por alguns momentos tudo de lado e nos conectamos quase que diretamente com o sonho de cada um desses atletas que guerreiam do outro lado do mundo. O espírito de união e força nunca deixa de brilhar nos olhos daqueles que tentam imaginar o que é estar representando sua nação. A meldalha de ouro garantida que é vestir nossas cores, e absorver delas dedicação e fé para batalhar pelo que acredita que é capaz. E eles não param apenas no "acreditar", vão muito além.

Como tudo na vida, acreditar é o salto inicial de uma sequencia que muitas vezes cansam nossas pernas - o que faz com que muitos desistam. Mas os que conseguem tirar a concentração das pernas, das dores, dos dias chuvosos ou dos sem esperança; saltam sobre qualquer obstáculo. E é isso o que muitos atletas anônimos, que se mantém longe de luzes e câmeras, fazem todos os dias pelo nosso país. São anos, vidas, dedicadas à uma nação que na maioria das vezes nem ao menos sabe o nome desses filhos exemplares - criados sozinhos.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Maldita expectativa.

"Expectativa: Espera; Esperança baseada em supostos direitos, probabilidades ou promessas."
Poucas vezes conclui quão ruim é alguma palavra. Penso ininterruptamente e não entendo o porque disso existir. O primeiro argumento que surge em minha mente é o fato de que muitas vezes nem mesmo nós correspondemos ao que desejamos, agimos como seria provável ou sentimos o esperado. Então qual a finalidade de esperar que outra pessoa se comporte de determinada forma? Masoquismo é a resposta mas óbvia. Mas uma resposta para alguém que não gosta de sofrer eu ainda estou procurando.

Ninguém melhor que nós mesmos para conhecer nossos próprios defeitos. Sabemos como ninguém o quanto erramos, decepcionamos os outros, deixamos de sentir, ou até sentimos demais. Não entendo o porque esperar tanto de alguém - e muitas vezes nem é muito o que esperamos. Esse alguém é como nós; decepciona, erra, se ilude. Tudo seria tão mais fácil se partisse do princípio que ninguém deve nada ao outro. Não é porque alguém te beijou de uma forma nova que realmente possa existir algo de especial nessa pessoa. Não é porque alguém olhou em seus olhos e sorriu, que isso signifique que não haviam centenas de lágrimas camufladas nesse olhar. Uma conversa pode não ser nada além de frases vazias escapando de uma boca fria.

Um poeta romântico - que contorna seu corpo com um leve toque ao tocar o papel com a tinta - pode nunca ter levado em conta aquelas doces palavras que inexplicavelmente sairam de dentro dele. Um palhaço, que rouba sorrisos sinceros de uma criança num fim de tarde, pode nunca ter sentido a intensidade e o brilho de sua própria risada.

Sempre tentei me proteger de ilusões, nunca apostei grande parte das fichas que tinha em mãos em ninguém. E é engraçado como depois de ter tantos sorrisos brilhantes em mãos, tantas conversas surpreendentes e beijos - que até então - me faziam tremer; um sorriso desconhecido, conversas interessantes e um beijo numa noite fria me fariam refletir hoje. Ainda estão me fazendo refletir e chegar a conclusão que é justamente a palavra que eu não gosto e não entendo o porque de existir, que anda atordoando minha mente: a maldita expectativa.

Obviamente amanhã, ao amanhecer, eu veja um sorriso brilhante, escute uma voz firme ou sinta meu corpo tremer forte - só temo que não seja encantador como foi com você. Só não consigo entender porque terei de pensar justamente nele, durante toda a extensa madrugada. Porque é esse beijo que eu tanto quero - e não devo - sentir denovo? Foi quando eu menos desejava tremer e ver brilhar, que hoje eu fecho os olhos e lembro do que aqueceu aquela noite fria.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Uma cor, um sabor, um som.



Já desejou subir uma escada para o céu e desenhar da sua forma uma estrela que realmente brilhe? Quando pode existir nele a mais bela de todas, a maior, mais brilhante, eisso continua não sendo o bastante?
Entre tempos de constantes mudanças e outros em que a rotina cansa, dúvidas sempre surgem. Querer mudar para não deixar a monotonia tomar conta dos seus dias ou querer que tudo se acalme para que as mudanças não se tornem furacões, não importa o que seja, na maioria dos dias não estamos satisfeitos.
Sempre existe um aspecto em nossas vidas que podemos melhorar, um desejo que queremos saciar, um caminho a traçar, um erro para consentar, um 'me desculpa' que custa a sair de nossos lábios, um 'eu te amo' que sonhamos que chegue em nossos ouvidos.
O incomum de uns tempos para cá, tem sido a monotonia que o furacão se tornou. Ao mesmo tempo em que tudo muda, conheço novas pessoas, novos lugares, respiro um novo ar, escuto um novo som, experimento um novo sabor; tudo parece incolor, mudo e sem gosto.
Penso que meus olhos possam estar tapados para as cores e captando apenas os tons de cinza, que minha língua não reconheça a diferença dos sabores...que meus ouvidos escutem sobre qualquer outro som uma melodia que eu não reconheço.
Se for isso, então, como sentir ouvir e ver aquilo que nem ao menos sei o que é? Onde encontrar, quando não sabemos o que procuramos? Como sentir, quando não sabemos o que tem esse gosto? O que ouvir, quando não sabemos as notas e nem quem as toca?